TEXTOS CRÍTICOS

 

Um caminho fácil é etiquetar a pintura de Menna Barreto como surrealista. É enfatizar o lado anedótico e o apelo ao non-sense que aparece em seu trabalho. Optar por esta abordagem, deixar-se levar pelo curioso, é deter-se na superfície e deixar de perceber outros aspectos que sua pintura oferece.

Sônia demonstra em sua pintura a familiaridade que tem com a História da Arte. Deixa transparecer o entusiasmo que teve enquanto estudante com a observação do rigor da composição de Léger, dos espaços solitários de De Chirico, das descrições dos objetos de Magritte e das situações insólitas de Max Ernest – é seguramente a identificação com aspectos existentes na obra desses dois últimos artistas que impede a observação de outras intenções em seu trabalho. Indica sua afinidade com os velhos mestres flamengos , retratando um mundo constituído de objetos bem conhecidos e transcrevendo com minúcia e precisão os materiais que os constituem. Cita com maestria e erudição os enganos óticos dos pintores holandeses dos séculos XVII e XVIII, da mesma forma que alude ao Kitsch das ilustrações de calendário.
Seu trabalho na aparência é anacrônico. Na verdade registra nosso tempo, a variedade e o hibridismo das imagens que nos cercam. Compara retratos de Rubens com as golas das fotos antigas de crianças-pierrôs. Quando apresenta uma paisagem veneziana, não apenas usa o estereótipo identificado com a cidade, remete também à pintura de Cannaletto , á beleza artificial do cartão postal e ao “clic” afetuoso mas impreciso do turista. Quando presenteia personagens de Frans Hals com câmaras fotográficas e cartas de baralho com chapéus, dialoga com páginas de revistas que apresentam eletrodomésticos na “Última Ceia” de Leonardo e filmes, onde, inadvertidamente, gladiadores portam relógios de pulso.
O clima de absurdo presente na pintura de Sônia, ganha outro caráter quando se presencia seu procedimento de trabalho. A artista reproduz com fidelidade um mundo real, construído por ela mesma, em pequenas estantes e gavetas. Seu universo é intimista e tem suas bases nos objetos e situações próximos a ela. Reúne recordações de infância, seus livros preferidos, pequenas lembranças de outros tempos. Nesses palcos em miniatura dispõe fotos, selos, objetos do cotidiano, sobrepõem recortes de revista, criando situações insólitas. Tira partido da escala, à maneira das casas de bonecas, onde uma caixa de fósforos serve de assento, a página de livro funciona como paisagem de fundo e o soldado que escapa para o primeiro plano é na verdade um modelo em chumbo. Situações fantásticas em que minúsculos personagens da Commedia Dell´Arte surgem entre livros gigantes e um observador encara da sacada o palácio de Chambord, não reproduzem devaneios, mas retratam com acuidade o modelo disposto à sua frente. Da mesma forma não é a paisagem veneziana que se desmancha como um quebra-cabeça. É o próprio quebra-cabeça quase completo na bandeja ao lado do cavalete, que na tela passa a ocupar o lugar da paisagem.
Ao mesmo tempo em que reafirma a pintura enquanto representação da realidade, Sônia discute com humor o que é a realidade e como a sua imagem pode ser enganosa. Humor sutil e refinado, vestido com sobriedade, à maneira das imagens quase gêmeas que pedem ao leitor da página de variedades dos jornais que identifique as doze diferenças que as separam.

 

Maria Izabel Ribeiro ( Julho 1995 )


 

Mais uma vez Interview promove um mergulho, mais do que atual e necessário. Ou seja: estabelecer um inventário da pintura que se faz no Brasil. - Falta-nos, aqui, espaço para colocarmos os cerca de cem artistas vivos, realmente inventivos e inovadores que o Brasil tem. Os demais, aos milhares são apenas dilui¬dores do que sai da Europa e dos EUA. Ou diluidores de si mesmos. Fique claro, ainda que esta matéria surgiu depois de três reuniões, feitas em dias diferentes, entre meus queridos amigos Claudio Schleder, Ri¬chard Raillet e eu. Ao término das quais tive total liberdade para escolher nomes e obras. Surgiu, então, isto que considero um Panorama Parcial da Pintura. Feito só com artistas vivos e de diferentes técnicas, estilos, idades, o que resultou num leque abrangente, multidirecional. Esta seleção não está a serviço de nenhum acordo ilícito voltado apenas para favorecer estes ou aqueles. Esta seleção não está atrelada a jogadas de mercado. Ela valoriza apenas a invenção.

Menna Barreto
A pintura desta jovem pintora é uma gota de absurdo no real clássico e acadêmico de seu jeito de ver o mundo. Em técnica apurada, ela retrocede no tempo e no espaço, e só chega aos nossos dias para acres¬centar surrealismo às suas cenas. Ela dá seu recado sozinha e merece atenção, sobretudo daqueles que amam o virtuosismo do bem feito. Do bem sonhado.

 

Olney Krüse (extrato de artigo Revista Interview, número 101 de 1987)



Sônia Regina Gomes Menna Barreto de Barros Falcão, ou simplesmente Menna Barreto - assina obras-pri¬mas em pequenos formatos, como miniaturas. Pouco conhecida, surge agora como a grande novidade da pintura fantástica brasileira. Menna Barreto dá uma conotação hiper-realista, mas sem colagens ou as¬semblagens. Sua arte tem um clima misterioso de castelos fantasmas ou de fragmentos de Paris, com suas ruas e casas. Seu valor reside no caráter arquipoético das obras.


Flávio de Aquino (dezembro de 1989)


  

"Menna Barreto: a força de uma artista jovem."
Em um século conturbado e de valores flutuantes como o nosso, a incompreensão de alguns transfor¬mou a arte - que deveria ser eterna - em algo descartável. Só que os modismos passam, e a verdadeira arte fica. Mobilizando incríveis mecanismos de auto-promoção alguns "artistas" conseguiram sobreviver meses, anos e até alguns lustros. Mas o tempo, esse juiz implacável, se encarregou de mostrar que o pe¬destal sobre o qual estavam empoleirados era de barro e não de mármore autêntico; Quem quiser uma pro¬va basta folhear os catálogos das primeiras Bienais. É surpreendente descobrir que apenas uma dúzia da¬quelas centenas de estrelas continuam brilhando.
Pois neste exato momento André Blau está anunciando sua nova descoberta. Uma pintora sensacio¬nal, de técnicas impecável e uma sólida formação cultural. Trata-se de Menna Barreto, que com sua sólida formação passou a desenvolver um estilo próprio, imprimindo a seus quadros uma personalidade forte e categórica. O clima surrealista de seus primeiros tempos, sofreu o acréscimo do realismo marcante. Hoje o real e o fantástico se fundem de uma maneira tão magistral em seus trabalhos, que podemos sentir, sua caligrafia delicada criando composições intimistas porém inesquecíveis. Vale a pena participar da alegria de acompanhar o surgimento de um valor autêntico, que veio Para ficar.

 

Antonio Zago ( dezembro de 1989 ) 


  

Sônia Menna Barreto

Deve-se a Vasari o relato de que Giotto, quando jovem, teria pintado, por bricadeira, uma mosca no nariz de uma figura que seu mestre Cimabue estava elaborando. Quando este voltou para continuar o trabalho, “tentou várias vezes espantá-la com a mão, pensando que ela fosse real”. O fato deixa clara a precocidade do grande pintor florentino e as possibilidades do ilusionismo pictórico.

Mutatis mutandis, Sônia Menna Barreto faz algo parecido em sua obra. Tendo desenvolvido in extremis a técnica de pintar, ela a utiliza a serviço de um jogo de trompe l’oeil , que engana nossa vista na medida em que cria um espaço irreal, impossível, com aparência de verdadeiro. Seus elementos de composição freqüentemente não são imagens extraídas da natureza, mas do universo da cultura humana tais como livros, móveis, personagens da Commedia dell’Arte, envelopes, lacres, cartas de baralho, obras de arte e seus elementos constitutivos ou afins (telas, chassis, pregos, vidros quebrados, tinteiros, papéis de embrulho, cantoneiras, fitas adesivas, barbantes). Figuras incluídas numa ilustração de um livro, por exemplo, extrapolam os limites dela, continuando num outro plano. Sônia cria assim uma ilusão visual ao tempo em que discute os limites da realidade e da arte. Sua assinatura é utilizada como elemento gráfico do trabalho, colocada que é na capa ou na lombada de um livro, num selo, num carimbo, numa etiqueta, ou constituída pelas voltas de um arame ou corda. Há em seus trabalhos um nítido caráter de jogo, de erro e acerto, sendo que alguns incluem formas de puzzle, de encaixes.

Um certo toque surreal e onírico permeia a obra de Sônia Menna Barreto, consubstanciada na subversão do real e de suas relações espaciais, temporais e lógicas. Refletindo sobre a linguagem artística e tendo como referência recorrente a própria obra de arte, sua pintura torna-se metalingüística e, a despeito de jogar freqüentemente com imagens do passado, assume uma postura moderna. Trata-se de uma pintura cenográfica, silenciosa e bela.

Enock Sacramento ( setembro/2004 ) 


  

Sônia Menna Barreto

Caleidoscópio de seleções horizontais e verticais

 

Pintar nunca pode deixar de ser um prazer. Quando isso ocorre, torna-se uma obrigação tediosa, já que se perde a força motriz do ato criativo, que está em ver cada trabalho como se fosse o primeiro a ser realizado, pleno de expectativas, medos e – por que não? – frustrações.
Sônia Menna Barreto mantém essa característica em suas produções mais recentes, onde busca o estabelecimento de uma forma muito peculiar de pensamento de adição e de subtração de pintura. Ela consegue incorporar a idéia do giclée à de produção renovada de imagens previamente impressas.
Trata-se de uma intervenção realizada sobre imagens derivadas de uma mesma pintura inicial impressa com jato de tinta. Esse processo de trabalho inaugura um pensamento nos procedimentos da artista, pois exige um pensar sobre mecanismos de seleção das imagens que se deseja preservar, daquelas que sofrem interferências e daquelas que serão acrescentadas.
O giclée ganha, portanto, uma outra dimensão. Cada reprodução passa a ter um aspecto único e, muito mais do que uma imagem, temos aí o expressar de um sentir perante a própria obra criada. Existe então uma maneira de conceber a própria arte em dois eixos: o horizontal e o vertical.
No primeiro, existe a preocupação com o todo, ou seja, trata-se de uma discussão sintagmática em que cada elemento se relaciona com os outros no sentido de estabelecer uma proveitosa harmonia em termos de cores, formas e elementos. É nas relações e elos entre as figuras apresentadas e os seus cenários que as intervenções ganham valor em cada caso.
Em termos de verticalidade, discute-se o paradigma, ou seja, as seleções se dão no interior de cada imagem. Se escolhido um arlequim, por exemplo, entre outras possibilidades do sintagma, o passo seguinte está em pensar como ele será em termos de posição, cores e seus elementos plásticos intrínsecos.
Na interação entre os dois eixos, a obra de Sônia Menna Barreto passa a ganhar uma nova perspectiva motivadora. As interferências em cada giclée são obras únicas, séries dentro de uma mesma matriz que as gerou como ponto de partida. Isso significa que a obra originalmente pintada e depois reproduzida ganha uma continuidade expressa em imagens que inevitavelmente serão comparadas às originais em busca de semelhanças, diferenças e aproximações.
Instaura-se o lúdico associado ao talento plástico. Após realizadas as escolhas formais e concretizada a realização esmerada, o resultado aponta instigantes e caleidoscópicas possibilidades. Trata-se de um intenso caminhar por uma vereda em que cada obra é única pelo processo recebido e se alia a suas irmãs que lhe servem de matriz. Conversa assim no ineditismo do vertical e na riqueza do diálogo horizontal com suas irmãs de criação.

 

Oscar D’Ambrosio, jornalista e mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP, integra a Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA- Seção Brasil)


 

A ARTISTA E O FUTURO

 

Sônia Menna Barreto é indiscutivelmente uma das artistas plásticas mais representativas do surrealismo na história das artes plásticas brasileira. Segundo André Breton em o Manifesto de 1924, “O surrealismo baseia-se na aceitação da realidade superior de certas formas de associação até então negligenciadas, na onipotência do sonho e no jogo desinteressado do pensamento”. Esta escola que no país contou com a produção de artistas como Ismael Nery, Walter Lewy e Otávio Araújo, é prestigiado hoje com a produção incessante desta artista, que tem seu trabalho reconhecido por inúmeros críticos, marchands e galeristas. Detentora de uma técnica pictórica exemplar, a artista depois do contato com os trabalhos de Dalí, Max Ernst, De Chirico, Magritte e Paul Delvaux, toma a direção do Surrealismo passando a desenvolver seu lado intimista e criativo e solucionando os problemas técnicos e temáticos por si própria.
Com uma carreira permeada com a participação em exposições internacionais e nacionais, a artista, que tem trabalhos em diversas coleções, é a única representante brasileira com obra integrada a ROYAL COLLECTION, pertencente à Família Real Britânica, uma das coleções de arte mais importantes do mundo.
De fato, o trabalho de Sônia Menna Barreto, é envolvente, lúdico, reflexivo e detentor de uma magia que se presta ao diálogo interminável entre criador, criatura e apreciadores da boa arte. A produção limitada desta artista – aproximadamente 12 obras por ano - e a grande demanda por seus originais, resulta em investimento seguro, que ainda agrega o deslumbre das obras raras. Mas, entendo que não podemos privar a sociedade do contato com tais obras. Sendo assim, um grupo seleto de conselheiros e admiradores da artista foi estimulado a propor alternativas, identificando aplicações para seu trabalho, promovendo encontros, viabilizando a publicação de livros, edição de gravuras, objetos e etc, sempre vislumbrando novos canais de distribuição e o acesso democrático a sua obra.
Após décadas trabalhando num formato exclusivo com uma galeria em São Paulo, Sônia se firma e cresce no seu metier. Com muita paciência, desbrava caminhos para disseminar sua criação, escreve sua história com uma carreira sólida, e recebe o nosso justo reconhecimento.

 

Roberto Bertani


 

O mercado de artes plásticas, sempre em fase de crescimento, anualmente apresenta novas opções, surgindo artistas filiados às mais diversas correntes, criadores de novos estilos, técnicas e temáticas além dos eternos inovadores, dos pseudo-ingênuos, ou daqueles que apenas copiam o que já existe. As grandes revelações com condições reais de revolucionar o mercado são poucas, e quando surgem, acabam por conquistar um lugar de destaque, mesmo que isso ocorra de maneira lenta, às vezes demorando longos anos. E neste contexto, que surge o trabalho da artista Menna Barreto. O resultado de seu trabalho é fasci¬nante, com um estilo singular, revelando uma personalidade sólida, marcante, desgarrada de influências, correntes ou tendências, o que faz emergir um estilo, próprio, envolvente e cativante. Em seus quadros o real e o fantástico se fundem, extrapolando os limites da criatividade.

 

Angelo lacocca ( dezembro de 1989 )